ébrios, a transbordar da alma

Resumidamente, a canção é sobre uma moça que vai beber até o sol nascer e se vai balançar no lustre. E pelo meio vai viver como se não houvesse amanhã e voar como um pássaro da noite, com o vento a secar-lhe as lágrimas. Quando o sol nasce, ela está num farrapo embebido de vergonha. Mas mesmo assim ela pede "keep my glass full".
Ouvindo isto ad nauseam, pela estrada fora com as árvores a ladearem-me a via larga, penso que a bebedeira havia de ser de vida, de beijos, de pele e de saliva e suor. 
O conta-quilómetros vai somando, mas não na direção desejada.



a obrigação de sermos alegres no verão

Tal como no Natal, gostar do verão é uma coisa obrigatória. 
Ver as luzinhas a brilhar, imaginar a neve da Lapónia e ficar em pulgas com a noite de Natal estão no mesmo patamar de apreciar a areia colada em todas as partes do corpo, de trazermos no corpo sal suficiente para cozinhar 2 ou 3 refeições e de delirar com os chinelos estacionados debaixo da mesa da esplanada. Tudo coisas que não me estimulam porque são coisas que só fazem sentido com companhia. 

Durante uma década, os meus dias de verão foram passados a trabalhar ao sol ou em armazéns que reservavam em si o calor que o sol trazia. Eu gosto de trabalhar, mas não naqueles métiers que tinham sido mais apropriados para um rapaz. 

Depois dessa década, conquistei o direito a férias longe dos trabalhos de puxar pelos músculos. E em casa dos meus pais, lia muito, sobretudo durante a madrugada, para aproveitar o fresco e o silêncio de uma casa que durante o dia parecia um campo de batalha. Foi aí que apanhei o hábito de ler até o sol nascer. 

Ainda hoje mantenho esse hábito porque, nos dias de verão, a solidão cola-se à minha sombra e fica ali a mirar-me com uns olhos de juiz existencial, a apontar-me o que não fiz suficientemente, as vezes em que não estendi a mão e em que amei menos. Mas a história pode e deve ser contada de outra forma, mais verdadeira por sinal.

Durante a madrugada, estou sozinha e em paz, porque toda a gente está a dormir. E a dormir não existimos. A dormir não se ama ou desama ninguém.

Num mundo perfeito, com os primeiros raios de sol, pegava na mão dela e íamos por aí, ao sol ou à sombra. Mas em vez disso, leio livros até o céu ficar claro. Nessa altura vou dormir e acordo quando o sol já começa a fazer a curva descendente. E durmo muito, porque a dormir não sinto a ausência da sua mão.


a fome tem muitos olhos

Quando vi o Presidente da República a desmaiar, lembrei-me logo de muitos momentos deste ano letivo, sobretudo do 1.º período. Em cada aula, havia sempre uns quantos alunos indispostos. Eram dores de barriga, que o pouco leite ao pequeno-almoço não saciou.
«Não havia pão...»
Depois de virem do bar, já estavam melhor.

No outro post, falei dos que andam, felizmente, de barriga cheia e rodeados de confortos diversos.
Mas também estes têm fome.
Até o PR tem fome, como se reparou na avidez com que fez as contas à reforma.

Este país, aliás, este mundo está faminto, uns de pão, outros de afeto, de paz, de justiça, de um lugar com o qual as crianças de olhos brilhantes sonham.

O final do ano é sempre muito intenso e dramático, nalguns momentos. Estou a precisar de uma brisa morna e de uma sombra de árvores em que se possa respirar em sossego.
 





A história

até certo ponto é simples. Uns miúdos de 11 anos não conseguiram reaver uma bola que foi parar a uma casa contígua à escola e decidiram que a melhor forma de se vingarem era atirar pedras à referida casa. Foram à direção, admitiram a asneira e voltaram a mostrar-se culpados à diretora de turma. Consideraram as crianças que o melhor era ressarcir o valor do vidro e pedir desculpas ao dono da casa. Até aqui, menos mal.

Passados uns dias, os respetivos pais chegam à escola a gritar, a duvidar da forma de questionamento que se fez às crianças, a referir tamanhos de pedras ("a minha só amandou uma pequenina e não podia ter acertado no vidro"), a justificar a atitude das crianças com a raiva de não terem visto devolvida a bola, entre outros arrazoamentos.
Quando deixei à consideração da consciência deles o pagamento do vidro, avançaram com o dinheiro...
Relativamente ao pedido de desculpas... uma vergonha. Se um filho meu fizesse aquela figura no contexto, levava um par de estalos (em casa, que é onde se educam as crianças).
Os miúdos estavam com o ar de quem vai à feira comer algodão doce. Tinham as costas quentes e não era do sol. No terreno do dono da casa, os pais questionaram-no com ar autoritário acerca do tipo de vidro substituído ("este é diferente, é melhor" - e não era nada...), sobre bolas e pedras e minutos exatos do estilhaços.

Eu até gosto de ser professora, quer dizer, de ensinar Português e Inglês. Palavra que gosto. Mas não me cabe ensinar que atirar pedras aos outros e aos seus bens não é correto, nem legal.
Hoje é um daqueles dias em que uma pessoa perde a fé toda na humanidade, nos valores da verdade e do bem.

Fazem o que querem, manipulam as palavras e os factos e explicam com as mais refinadas teorias o que não tem justificação nem desculpa.