1.ª resolução de ano novo

Mudar de casa e de cidade. Algo que eu já deveria ter feito há 6 anos. Mas ainda vou a tempo. :)


Protagonista de 2014

Houve vários, mas dos que me lambem as orelhas só há um.
Por isso, completo destaque para o felino, que já tem vários nomes.

Não vou dizer que só lhe falta falar... O T-Bone não fala e ainda bem. Mas faz outras coisas giras.

- Segue-me para todo o lado, durante o dia inteiro. É um stalker, mas meiguinho.
 
- Mesmo até para a casa de banho. Dou-lhe sempre dez segundos para ele chegar. Olha para mim, senta-se e fica ali a fazer companhia.

- Fica o tempo todo do outro lado da cortina, sentado, à espera que eu saia do duche. A seguir, cheira-me um pé, depois o outro, pula para a base e lambe a água.

- Salta para cima da bancada e põe a cauda dentro do lavatório. Sim, já apanhou com pasta de dentes...

- Pula para cima da secretária do computador e senta-se a abanar ligeiramente, com os olhos semicerrados, com aquele ar "estou cheio de sono, mas se tu aguentas, eu também."

- De manhã, sento-me na cama e ele ali ao meu lado, com ar de inspetor de obras. "Este papel de parede foi muito bem escolhido."

- Quando chego a casa, vem logo a correr e instala-se no meu colo. Deito-lhe comida, trinca uns pedacitos e vem outra vez ter comigo para me lamber a testa ou as mãos. 

- Gosta de beber chá de tília, de cheirar iogurtes e lambe sempre o meu prato da sopa. Não é apreciador de peixe cozinhado, mas não se faz rogado uma bela posta de bacalhau a demolhar em cima da bancada. Never again...

- Gosta de perseguir bolas de alumínio amassado e depois devolve-mas.

- Basta dizer "isso é meu" para ele parar com as asneiras. Aliás, não faz grandes asneiras. Só afia as garras nos sítios predefinidos.

- À noite, depois de eu desligar a luz, dá-me dez minutos para eu encontrar posição para dormir e depois instala-se invariavelmente em cima das minhas pernas. E suspira.

Foi uma das criaturas que mais me fez sorrir e rir em 2014. Isto sem ele já não era a mesma coisa.



2014...

O primeiro semestre foi jeitoso, mas o segundo... foi "agarra-te que agora é sempre a descer".

Alguns momentos estranhos:

- "Hum... Este chocolate não tem passas... É pá, estou a comer a cera ortodôntica!"

-  "Como é que eu vou a Sintra com uma pessoa que sofre de agorafobia?"

- "O homem é mais simpático do que eu pensava... Ele vai justificar-me a falta!"

- "Tenho a sensação que estou a ser observada... Ah é o gato."

- "São quase três da manhã. É melhor eu dar com o sítio onde vou dormir antes que alguém surja do nada numa destas ruas desertas."

- "Estou a três mil quilómetros de casa e daqui a doze horas tenho de dar aulas ao 6.º C. Isto tem de correr bem."

- "É a pessoa mais fascinante que conheço neste momento, but she not into me..."

Edit:
- "Se todos os blind dates com homens fossem sempre assim um sucesso, era mulher para apostar mais nisso." :)

- "O protetor solar não é nenhum mito. Na próxima semana, depois do escaldão passar, tenho de espalhar melhor o creme."

- "Uau! Bela fotografia! Não tinha um único dente no lugar."


- "Bolas... Esta senhora quer mesmo dar-me porrada. Deus queira que o Joaquim entre agora na sala."

- "Hein... O diretor da escola adicionou-me? Logo agora que eu estava a pensar mudar de escola..."

- "Este pão caseiro é mesmo bom. Ó não... mais um bracket descolado..."

- "Mas que cheiro pestilento é este...? Quem é que está a fumar?"

- "Um rádio despertador... A sério?"

Entre outros.
Entra outro. :)


Separado à nascença


do senhor silva de Boliqueime


Grandes esperanças

Caaalma! Ainda não é agora que vou falar do ano novo.

Mas sim do livro by Sir Charles Dickens. 
Os eruditos... e agora aqui paro para passar mentalmente as imagens dos ditos senhores em questão. Não tem nada que enganar. Os eruditos são geralmente homens que nasceram na altura da 2.ª guerra mundial ou quando a memória dela ainda era fresca. Tiveram tempo para ler tudo porque, por um lado, na juventude deles não havia internet nem facebook e, por outro, havia menos livros para ler. Reconhecem-se igualmente pelas barbas e pelo perímetro abdominal. 

Mas dizia eu que os eruditos andam sempre com esta questão em mãos "... leiam só os clássicos" ou então não... "afinal há autores recentes incontornáveis". 
Quando o Harold Bloom editou o "Cânone Ocidental", um cartapácio bem jeitoso, a minha professora de Teoria da Literatura comoveu-se e esteve ali durante um bom bocado a dissertar sobre a coisa.

Ler os clássicos é como comer Nutella. Uma pessoa raramente vai ao engano. Pode acontecer é termo-nos esquecido do frasco no fundo do frigorífico e depois... depois microondas com ele. Está resolvido. 

Mas não será arriscado e excessivo comparar a Nutella ao Charles Dickens? Not at all. Porque eu bem me lambuzei na escrita sublime daquelas páginas em que ele conta a saga de um rapaz órfão adotado a contragosto pela irmã, "brought up by hand" como os súbditos de sua majestade diziam, e que acaba por ser um cavalheiro, um "gentleman" portanto, daqueles que se juntavam em clubes e faziam coisas que só a abundância de dinheiro e o tédio propiciam. 

E mais: durante o tempo de leitura uma pessoa entretém-se na convivência de personagens como Miss Havisham (a eterna solteira entradota que vivia com os relógios da casa todos parados nas 8:40, hora a que soube que o seu muito amado noivo tinha dado o golpe do baú no dia do casamento - there's no nice way to put it), ou a Estella (a menina com gelo no coração) ou o meu preferido, o ferreiro Joe Gargery ("Pip, old chap, ever the best of friends, ain't us?").

Hoje calhou ver a adaptação cinematografica mais recente. 
E lembrei-me do Van Gogh, daquele impacto profundo que a luz, as cores vivas e as texturas que um Van Gogh provocam, que nos fazem voltar àquela salinha da National Gallery vezes sem conta.

Ver um filme, por muito bom que seja, como foi o caso, baseado num livro sublime, será talvez como ver um Van Gogh à luz de vela. Conseguem-se ver os ciprestes, sim senhores, e os girassóis também, mas não é a mesma coisa.

É uma experiência mais profunda, tal como aquela que Mr Pip Pirrip, Pip para os amigos, foi granjeando, num livro excelente sobre a amizade, a lealdade, a gratidão e o perdão.


não me perguntem

se é do Natal, porque o ano tem mais trezentas e sessenta e tal noites. E como eu sou uma pessoa moderada e equânime, gosto de ver as alegrias e as dores bem distribuídas pelo ano todo. 
Ligar o turbo das expectativas e nostalgias na noite de Natal é uma coisa para a qual não tenho qualquer tipo de motivação.
Eu até sou budista.. por amor dos bodhisattvas. 

Va lá... É só o aniversário do messias. E um pretexto para comer fritos ad nauseam daqui até aos reis.

 
(No do Sócrates ninguém se pôs a enfeitar árvores e embrulhar chocolates como se não houvesse amanhã. Por isso é que já lhe subiu a tensão...)

the big D

A primeira vez que me apercebi que algo não estava bem com o meu cérebro foi em 2003, depois de ver o filme As Horas, com aquele célebre diálogo entre a Virginia e o marido na estação de comboios.
Virginia Woolf suicidou-se, entrando num rio com os bolsos cheios de pedras. Não era maluca, não tinha um pirolito a menos, nem um parafuso a mais, não padeceu de falta de bater punho, de fazer pela vida, e aquilo de que ela tinha não cabe na linguagem quotidiana. Virginia Woolf sofria de transtorno bipolar. Não tem a visibilidade de uma espondilite anquilosante, mas também aleija.

Um dos problemas da depressão e das doenças mentais começa logo na linguagem. Usamos a mesma palavra para identificar a tristeza de ter arranhado o carro no estacionamento e para identificar a tristeza dos cinco segundos antes do suicídio.
A semântica da depressão que uma semana inteira de chuva provoca não é a mesma da depressão em que o nosso cérebro não consegue funcionar bem.

Todos temos, uns mais que outros, uma dificuldade em lidar com o que não é visível, com o imaterial. Este é o primeiro ponto. E o segundo tem a ver com a ignorância na área da neurociência.  Ou seja, se por si só, é uma ciência em que os especialistas têm muitos pontos de interrogação, é natural que os não especialistas sintam uma perplexidade ainda maior. E depois há pessoas que não lidam bem com as perplexidades e arrumam a coisa com a linguagem quotidiana (que hoje em dia deixou de ser popular e passou a ser de um positivismo filosófico bacoco pró-empreendedorista). Assim se conclui que quem está deprimido é porque quer, é porque não sabe fazer pela vida. 

Temos um amigo que está deprimido e convidamo-lo para jantar e, no fim, queremos ver resultados, ou seja, esperamos que o nosso amigo esteja menos triste. Só que o volume da situação nada tem a ver com a pinturas automóveis arranhadas e "por acaso eu até conheço um bate-chapas que te faz um jeitinho por isso".
É química, senhores. É uma questão de química.

Se os meus amigos e familiares ficam exasperados e frustrados por me verem deprimida há quase uma década? Ficam. Mas o que não passa pela cabeça de quase todos é que a minha frustração é multiplicada por mil, porque, como dizia a Virginia Woolf no filme, se as pessoas vivem com a minha nuvem escura e o medo da minha extinção, também eu, sobretudo eu, vivo com ela e que eu, e só eu, me debato sozinha no escuro, no escuro cerrado, ao fim do dia, a ponderar subir as escadas para ir dar comida ao gato ou descê-las e ligar o carro na garagem com o portão fechado. Mas desta parte ninguém sabe, porque não vale a pena acrescentar preocupações. Além disso far-me-ia parecer estúpida, no sentido em que sou tão desprovida de inteligência que nem sequer consigo ver que mais vale ir dar comida ao gato. Porque só alguém profundamente atrasado é que põe uma questão dessas em cima da mesa. Como se eu tivesse um QI de 60 e, tendo eu mais do dobro, não me apetece passar por néscia.

E então como é que se vive assim?
Aprende-se devagarinho. Vai-se conhecendo as pastilhas, os seus efeitos positivos e os adversos. Tenho momentos bons em que a química casa bem com o meu corpo durante uns tempos. Vai-se acertando a dose aqui e ali. O médico ajusta quando me vê melhor, depois o meu cérebro relapsa.

Não é fácil aceitar que se tem uma condição médica mais ou menos crónica.
Também tenho uma hérnia discal lombar. Não posso, por exemplo, fazer zumba, jogging e outros desportos de impacto, porque isso são coisas para me porem a analgésicos e fisioterapia durante uns tempos. Mas isso não causa estranheza (e não é por conseguir subir ligeirinha uma serra, por caminhos bravios). 
Aquilo que custa é que a medicação que a P. terá de fazer para o resto da vida por causa da tiróide é normal, mas que os antidepressivos são "essa merda de que não te consegues livrar". Que marcar uma consulta com a endocrinologista é uma coisa e marcar uma com o psiquiatra é outra, porque "se tu fizesses isto, e assim e assado, e aquilo, e mais outro tanto, livravas-te dessas merdas que só enriquecem os laboratórios". 
E já experimentaste acupuntura? E Reiki? E a meditação...?
Isso e um chazinho que se vende na zona saúde do continente e punhas-te fina.
E apanhar sol, rapariga, precisas é de apanhar sol. E de sair, beber uns copos e comer uns petiscos com os amigos que isso é a melhor cura. 
Claro que sim! Umas moelas e um tinto alentejano em boa companhia são a cura para a depressão, o alzheimer, o parkinson e a esclerose múltipla.

Ah... a depressão é coisa de gente que não sabe apreciar a vida. Sim, sim... E a esclerose múltipla é uma coisa para preguiçosos que querem deslocar-se de cadeira de rodas e ter quem lhes dê banhinho.

Portanto, quando quando vejo que o gato corre o risco de ficar sem comida, uso um dos números mais importantes da minha lista e faço a medicação.
Fiz um voto de nunca mais contar aos amigos o que tomo ou deixo de tomar, se fui ou não fui ao psi. 
Vou muitas mais vezes do que eles pensam e não vou tantas como precisava porque a saúde mental é dispendiosa. Por exemplo, na penúltima vez, gastei 130 euros e o medimento não resultou.

Quando estou bem, pressentem logo, puxam-me e eu vou sem dificuldade, porque o mundo parece fazer algum sentido e eu não guardo rancores (prefiro guardar dinheiro para viajar). É uma animação pegada, porque sou boa moça, de trato fácil, com sentido de humor, sempre pronta a dizer as coisas mais inteligentes e significativas para aumentar as alegrias ou para sossegar as dores dos outros porque conheço bem o sofrimento humano, do direito e do avesso.
Quando não estou bem, volto a surgir aos seus olhos como uma atrasada (mental?) que não sabe orientar a sua vida. E fico longe deles, porque estou doente e porque não me apetece explicar-me. Quem precisa de explicações não as vai entender e quem as compreende não sente falta delas. 

Ainda assim, apesar do cérebro ser o órgão com mais descobertas a serem feitas pelos cientistas, sinto-me grata por não ter vivido no tempo na Virginia Woolf. E o meu gato também agradece. :)


ameno

não acho que esteja frio...


Sobrevivi

ao 1.º período e ainda agora não sei bem como. Daqui a muitos e muitos anos hei de lembrar-me deste mistério existencial. Dois enigmas arrumados na mesma gaveta: como surgiu o Big Bang e como cheguei inteira ao final de 2014. Com uma grande diferença: é que no primeiro há muita gente a investigar e no segundo ninguém lhe pega. E não contem comigo para nenhum dos dois. Lá dizia o Fernando Pessoa que sábio é aquele que se contenta com o espetáculo do mundo.
Espétaculo... espetáculo... não foi, mas teve coisas das boas e das outras.

Por aqui, continua-se sem fumar. Já lá vão mais de três meses e completamente firme. No outro dia, durante uma resma de testes ainda me apeteceu acender um rolinho de tabaco, mas decisão é decisão e fui fazer um fondue de chocolate para acalmar as hostes.
Ah... então mas e a balança?!
A balança continua na mesma e as calças do ano passado continuam a servir-me igualmente.

As pessoas não perguntam porque deixei eu de fumar, porque a resposta é óbvia. Porém, havia uma coisa que me deixava a pensar.
Eu tenho à minha volta umas quantas mulheres que andam perto dos cinquentas e que fumam.
E não há como dar-lhe a volta. Se até aos quarentas, nem sempre se distingue uma fumadora de uma não fumadora, a partir da esquina dessa idade não há connfusão possível. Basta olhar para uma mulher durante uns segundos e percebe-se logo se fuma e quanto fuma por dia. É o aspeto geral. É a pele, são os olhos, são os dentes... Começou a fazer-me confusão. Então, agora que ando a investir milhares de euros nos dentinhos e com resultados excelentes (vamos ver sem em 2015 me livro dos ferrinhos), ia eu conspurcar o esmalte?
Uma mulher que fuma envelhece muito mais.
E assim se deixa de fumar também por vaidade.
Há uma pessoa que gosta muito de mim que me dizia sempre "Ó Laranja, fumar é uma coisa que não combina nada contigo."
Assim, fica a fazer "pendant", que coisas a condizer é algo me me fascina e entusiasma.
Na verdade sinto como se fosse um "eu" completamente diferente.

E que mais de 2014?

O saturno lá se foi embora do céu astrológico. Já me andava a roer as bainhas das calças há quase 3 anos. Foi um longo remoinho que desarrumou tudo, mas lá deixou algumas coisas arrumadas. E já se sabe, quando se arruma fica sempre um espaço vazio. 
É definitivamente vazio. Daquele tipo de vazio de fazer eco.
E é para esse espaço vazio que tenho olhado. Há dias em que parece espaçoso no bom sentido, mas em essência é claustrofobicamente amplo. 

Por isso é que viajo, às vezes mesmo sem sair do lugar.
A minha geografia onírica é mais ou menos diversificada, mas vou muito a Paris.
Assim assim mais a Londres. 
Sempre Londres. 
Vou a Londres várias vezes por dia. Entro nos museus, ando por Westminster, apanho sol nas cadeiras de Hyde Park, vejo os esquilos a saltar, faço o Strand a pé, subo até à Soho Square e aí descanso num dos bancos. 
 Existe um tempo para uma pessoa se fazer ao caminho, mas esse tempo ainda não chegou.

De resto, não vale a pena fazer muitos balanços por causa do ouvido interno. Enredarmo-nos em balanços é como aquela atividade palerma que fazíamos enquanto miúdos, o de andar à roda sobre nós próprios para experimentarmos as tonturas consequentes.
Confere. Dá tonturas, sim senhora.
Eu prefiro vertigens.
E se for para andar à roda que seja para dançar.