Grandes esperanças

Caaalma! Ainda não é agora que vou falar do ano novo.

Mas sim do livro by Sir Charles Dickens. 
Os eruditos... e agora aqui paro para passar mentalmente as imagens dos ditos senhores em questão. Não tem nada que enganar. Os eruditos são geralmente homens que nasceram na altura da 2.ª guerra mundial ou quando a memória dela ainda era fresca. Tiveram tempo para ler tudo porque, por um lado, na juventude deles não havia internet nem facebook e, por outro, havia menos livros para ler. Reconhecem-se igualmente pelas barbas e pelo perímetro abdominal. 

Mas dizia eu que os eruditos andam sempre com esta questão em mãos "... leiam só os clássicos" ou então não... "afinal há autores recentes incontornáveis". 
Quando o Harold Bloom editou o "Cânone Ocidental", um cartapácio bem jeitoso, a minha professora de Teoria da Literatura comoveu-se e esteve ali durante um bom bocado a dissertar sobre a coisa.

Ler os clássicos é como comer Nutella. Uma pessoa raramente vai ao engano. Pode acontecer é termo-nos esquecido do frasco no fundo do frigorífico e depois... depois microondas com ele. Está resolvido. 

Mas não será arriscado e excessivo comparar a Nutella ao Charles Dickens? Not at all. Porque eu bem me lambuzei na escrita sublime daquelas páginas em que ele conta a saga de um rapaz órfão adotado a contragosto pela irmã, "brought up by hand" como os súbditos de sua majestade diziam, e que acaba por ser um cavalheiro, um "gentleman" portanto, daqueles que se juntavam em clubes e faziam coisas que só a abundância de dinheiro e o tédio propiciam. 

E mais: durante o tempo de leitura uma pessoa entretém-se na convivência de personagens como Miss Havisham (a eterna solteira entradota que vivia com os relógios da casa todos parados nas 8:40, hora a que soube que o seu muito amado noivo tinha dado o golpe do baú no dia do casamento - there's no nice way to put it), ou a Estella (a menina com gelo no coração) ou o meu preferido, o ferreiro Joe Gargery ("Pip, old chap, ever the best of friends, ain't us?").

Hoje calhou ver a adaptação cinematografica mais recente. 
E lembrei-me do Van Gogh, daquele impacto profundo que a luz, as cores vivas e as texturas que um Van Gogh provocam, que nos fazem voltar àquela salinha da National Gallery vezes sem conta.

Ver um filme, por muito bom que seja, como foi o caso, baseado num livro sublime, será talvez como ver um Van Gogh à luz de vela. Conseguem-se ver os ciprestes, sim senhores, e os girassóis também, mas não é a mesma coisa.

É uma experiência mais profunda, tal como aquela que Mr Pip Pirrip, Pip para os amigos, foi granjeando, num livro excelente sobre a amizade, a lealdade, a gratidão e o perdão.


Sem comentários:

Enviar um comentário