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Ouvi uma vez algures que o sucesso de uma relação amorosa é encontrar alguém com fantasmas e dores que se deem bem com os nossos. 
Este é um assunto que me dá que pensar de há uns anos para cá, porque cada pessoa tem uma certa dose de sofrimento no espírito e uma determinada história de abandonos ou de frustrações emocionais. Aquilo a que comummente se chama de bagagem. Aqui a minha memória traz à tona uma imagem da cultura televisiva, da série "How I met your mother", em que Ted imagina essa bagagem como uma coisa física, vísivel e palpável, que cada um carrega, empurra ou puxa como pode. É uma cena bem engraçada. 

No meu caso pessoal. Eu não tive uma infância fácil e mesmo dito assim é eufemismo. Não estou a falar de contrariedades de princesa. Falo de coisas sérias e graves, que musculadamente tentei ultrapassar das mais variadas formas, e apesar delas tornei-me numa pessoa dócil, pacífica, sensível, conciliadora, capaz de se colocar na pele dos outros e de lhes dar a mão. Resiliência, talvez. E o afeto daqueles que passam por bem na minha vida.

Eu já me apaixonei por dois opostos. 
Por alguém que tinha tido uma história de vida rodeada de afetos, alguém que se sentia inequivocamente amada pelas pessoas que a rodeavam. Nunca senti que essa pessoa tenha entendido verdadeiramente o pequeno inferno de onde vim, preferia até nem perguntar muito.
E já me apaixonei por alguém que como eu foi muito mal amado, no mínimo esquecida num canto da fotografia familiar. À primeira vista, uma pessoa sente uma irmandade fora do comum, uma cumplicidade incrível das frases meio ditas, uma espécie de "tu sabes o que eu quero dizer". 
Mas esta paixão também não me levou a porto seguro. 

Acho que a forma como fomos amados influencia a capacidade de amar e se se sentir amado, mas a relação entre as duas não é tão direta como isso.
Como andamos sempre a tentar fugir do sofrimento, julgo que amar é uma decisão, em última análise. Nós decidimos amar alguém porque achamos que vamos sofrer menos ao pé daquela pessoa, porque achamos que a nossa existência terá um equilíbrio mais justo entre alegrias e dores, sendo que destas últimas sabemos que não podemos escapar. E se passarmos por elas com alguém a dar-nos a mão, não deixamos de as sentir, mas o calor da pele de outra pessoa por perto faz alguma diferença, porque, embora tudo o que nos acontece, acontece somente debaixo do nosso couro cabeludo, temos um sistema nervoso periférico.



11 comentários:

  1. "Nós decidimos amar alguém porque achamos que vamos sofrer menos ao pé daquela pessoa" - e eu a pensar que era um sentimento qualquer fantástico e independente de tudo o resto e blá, blá, blá!! :)

    Beijoka*

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    1. E é um sentimento fantástico e tudo e tudo, mas gostar de alguém é uma decisão, mesmo que inconsciente. :)

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  2. este texto podia ter sido escrito por mim! oh se podia.

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  3. Este texto obriga-me a colocar este blog nos "marcadores".
    Um texto que necessita de ser lido 2 vezes. E são estas palavras que gosto de absorver.

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